FREDERICO FERREIRA
“Tecnognose”
source: contemporaneamagazineblogspot
Os discursos contemporâneos sobre a supremacia da ciência, os poderes ilimitados das novas tecnologias e a cibercultura integram um imaginário próprio, impulsionador de mitos, imagens e símbolos.
As novas tecnologias já não se centram na figura material da máquina e dos seus processos técnicos, mas na noção do virtual. Assim, também os antigos mitos industriais da mecanização da vida dão lugar aos novos mitos da cultura do virtual, que invocam imagens incorpóreas, avivando deste modo, a imaginação espiritualizada da técnica. Estas imagens assentam num fundamento ideológico que alia as realizações e aspirações tecnológicas a princípios característicos do gnosticismo.
Tecnognose, termo que dá nome à exposição, é utilizado para definir esta nova visão do mundo em que as tecnologias surgem como meios de superação do orgânico, do corpóreo, da efemeridade da vida, em suma, da condição humana.
Nesta mitologia transcendental, a figura principal é a representação de uma forma de subjectividade, liberta dos limites do corpo (ambição dos gnósticos), da identidade física, um ser de natureza espiritual (semelhante à dos detentores da gnosis), divinizado.
Em “Tecnognose”, três corpos electrónicos, metafisicamente e moralmente neutros, suspensos no espaço, vão ganhando uma dimensão espiritual, que colocam ao serviço da humanidade, despertando um conhecimento (gnose) que permite o encontro do Homem com a sua essência eterna. Tal dimensão espiritual é-lhes transmitida por um computador ao qual eles estão ligados, através de um código sonoro que vai sendo assimilado e posteriormente difundido incessantemente.
Esta exposição dá continuidade a um trabalho conceptual e estético que Frederico Ferreira tem vindo a aprofundar. Através da intersecção dos domínios da arte e da ciência, o artista tem vindo a seguir uma linha de reflexão centrada em questões despertadas pelos médios que explora, a escultura e a multimédia. Peças de parede, de chão, suspensas são reflexões sobre a relação que o Homem estabelece com as novas tecnologias de informação e comunicação, os efeitos que estas exercem e a sua própria natureza. Interface #1 (2003), Interface #3 e #4 (2003), For Ever (2005), Between (2005), são alguns exemplos.
Através de um processo, com traços minimalistas, em que a obra de arte é inteiramente concebida pela mente antes da sua execução, nascem simultaneamente três esculturas sonoras que mantêm uma forte relação entre si a diversos níveis. Seguindo um vocabulário formal de reminiscências orgânicas proveniente de um imaginário que o artista tem vindo a aprofundar desde Pleroma (2007) estas esculturas são compostas por um núcleo plástico no qual está integrado o sistema electrónico.
Os núcleos plásticos são produto da repetição de uma determinada unidade modular, combinada de forma distinta, simétrica e assimetricamente, marca do efeito visual. Através de um movimento de torção processa-se o desequilíbrio da simetria que gera o surgimento de uma assimetria dinâmica, ou vice-versa. Estas estruturas por acção de um carregamento progressivo tornam-se centros de energia acústica, a qual é canalizada em diversas direcções, operando-se assim, a modelação do meio material envolvente — o ar. Portanto, nestas peças mutantes, factores como o tempo e o meio ambiente são transportados para os domínios da escultura.
Frederico Ferreira apresenta aqui uma abordagem ao campo expandido da escultura, em que o som, enquanto onda material caracterizada pela sua intensidade, altura e timbre, é encarado como limite do campo escultórico.
A harmonia entre as sonoridades que se propagam, concebidas pelos Blasted Mechanism, põe a descoberto, uma relação acústica entre as peças, qual orquestra de câmara, em que o maestro é o computador, e que nos sintoniza com o divino.
— Mariana Roquette Teixeira
Frederico Ferreira nasceu no Porto em 1977. Licenciado em Artes Plásticas — Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Lecciona as disciplinas de Desenho e Figura Humana no curso de Design de Moda e as disciplinas de Design Básico no curso de Design Textil no Citex, Porto. Vive e trabalha no Porto.