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MIGUEL PALMA

EGO (Electronic Growing Organism)

Miguel Palma

source: highlike

Work: EGO (Electronic Growing Organism), 2009 70’s Milwaukee advertinsing drill model made of fiberglass, 350 watts drill, drill bit and drill extensor, iron adapters, base, electric wiring, screws 160 cm x 140 cm x 40 cm
Photographer: Paulo Costa
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source: artecapitalnet

Quando em 1878 Hippolyte Gautier visitou a Exposição Universal de Paris, registou o assombro dessa experiência em Les Curiosités de l’exposition de 1878: guide du visiteur, ao referir-se aos engenhos mecânicos de então como os “temíveis e dóceis empregados” criados pelo “cérebro disciplinado” do Homem que era capaz de os parar com o “fraco esforço do dedo numa minúscula alavanca” (1).
Este exemplo, que testemunha o confronto inicial do Homem com a máquina, introduz uma reflexão sobre sua capacidade de fornecer um mundo sem esforços e de provocar ao mesmo tempo admiração e receio. Mais de um século após o surgimento da máquina, existem hoje várias perspectivas sobre a complexa profusão de mecanismos técnicos que convivem connosco e que transformam hábitos e vivências, e que são entendidos ora como uma ameaça, ora como parte inequívoca de uma realidade humana.

Para a exposição Linha de Montagem de Miguel Palma (Lisboa, 1964), a nave do Centro de Arte Moderna, projectada arquitectonicamente para acolher a sua missão pluridisciplinar inicial, foi convertida num pavilhão-fábrica pela reunião de esculturas-objecto num mesmo horizonte de organização espacial, fora de exigências estéticas, pelo recurso a um desenho expositivo solto, criando um diálogo interactivo entre a obra e o observador. Esta tentativa de criar um laboratório de ideias é visível também pelas características dos trabalhos apresentados através da marcada presença de esboços projectuais e de maquetes que acompanham a concretização de um raciocínio. Esta aparente mostra de inventos inserida numa sala de exposição, devolve um desequilíbrio instável e confuso na experiência do observador pela existência de um desvio no sentido comum e natural dos objectos. A colocação de objectos com funções desarticuladas numa sala de exposição desvirtua o seu propósito já que “o funcional não qualifica de nenhuma maneira o que está adaptado a um fim mas o que está adaptado a uma ordem ou a um sistema” (2).

Miguel Palma trabalha num extenso terreno de configuração de conceitos para onde confluem a análise das ambiguidades e incongruências da racionalização do mecânico e do tecnológico e a sua desarticulação em relação à subjectividade do humano, na imposição de coordenadas não naturais na recepção da máquina pelo corpo. Cria engenhos para falar do modo como nos apropriámos dos objectos e como exercemos uma “quase autoridade da nossa presença no mundo ” (3). O artista não reproduz o falhanço da ideia de progresso no sentido óbvio, este raciocínio é esperado ao observador e retirado através da dinâmica da descoberta, impondo um envolvimento activo no processo de leitura da obra.

Para criar esta desarticulação o artista recorre a procedimentos técnicos que são próprios da ciência para construir um efeito que pertence ao domínio do artístico, por exemplo em Pleura, 2009, onde cria um agrupamento de ambientes fabricados − o ar de hospital com ar fresco e ar puro, em que o resultado é uma escultura de formas geométricas. Esta relação entre a linguagem da arte e a ciência está presente em Pinturas Catalíticas, 2007, cujo processo mecânico criado por uma máquina resulta na representação de uma paisagem, um tema clássico na história da arte; em 80000 volts para Leonardo da Vinci, 2007 que reconfigura o processo da pintura e desmistifica o conceito de mão criadora; e também em Press me, 2001, dispositivo que produz uma miniatura de uma obra de Van Gogh quando um aparelho é activado. A criação de mapeamentos, mecanismos de controlo, sistematização e análise, está presente por exemplo na colocação de uma máquina de picar ponto no início da exposição que introduz na dinâmica da sala de exposição um procedimento abstracto e mecanizado. Outros processos de medição particularizam-se na incorporação da identidade do artista nas esculturas-objecto como poderemos ver em 34’5 vezes o meu tamanho, 2009, e em 1964 – 2044, 2004, que representa através de uma simbologia os 40 anos de vida do artista. A análise dos efeitos da máquina na dinâmica social verifica-se em T4 para sempre, 2001, e na automatização de movimentos em situações de recreio em Férias, 2010. Ainda a reconstituição histórica de A viagem maravilhosa, 2011, mostra como determinados aparatos técnicos sofreram transformações e que a partir de uma coordenada − a necessidade de resolução de problemas, se pode analisar raciocínios que se expressaram na técnica.

Os efeitos do discurso artístico e a capacidade operatória da arte são utilizados na análise antropológica da extensão da nossa relação com a tecnologia que não se orienta exclusivamente para a denúncia da perversidade da máquina, mas para a relação híbrida entre o querer-fazer e a consciência da ameaça dessa acção, o que demonstra uma postura crítica paradoxal. Engenho, 1993, mostra uma relação de entusiasmo conhecedor da ineficácia e desarticulação da máquina face a um terreno do que é humano mas enfatiza o espírito visionário e a capacidade humana de projectar e construir. No discurso de Miguel Palma, a hostilidade não se dirige ao objecto em si mas ao ímpeto destrutivo do homem, tal como verificamos por exemplo em Plataforma Shell que reproduz a apropriação desregulada dos recursos naturais pelo Homem.

Desta ambivalência entre a denúncia do desequilíbrio provocado pela convivência do humano com a máquina e a vontade de a construir, Miguel Palma traça, num diálogo entre a arte, a ciência, a história e as práticas culturais e sociais, um reportório de invenções e ideias, a partir do qual constrói uma postura crítica e interventiva em proximidade com a vida.
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source: camgulbenkianpt

Exposição antológica de Miguel Palma (Lisboa, 1964), um dos artistas mais produtivos da sua geração e que tem vindo a afirmar-se progressivamente no contexto internacional. O título da exposição, Linha de Montagem, remete para uma das características principais da sua obra, a criação de esculturas e objectos que se situam num território entre o mecânico e o artístico, entre o mundo da engenharia e da arquitectura e o mundo da arte, e entre o natural e o artificial.

A exposição apresenta 170 obras de Miguel Palma sendo que aproximadamente 70 por cento dos trabalhos expostos contêm um mecanismo técnico (movimento, som…).

Na mostra serão apresentadas várias obras inéditas produzidas em 2011: Eclipse, Crédito, A Matinha (modelo de uma sala de jogos “A Matinha” em Lisboa – construída em 1931 por J. Vivo), A Viagem Maravilhosa (modelo de avião em ferro, escala 1/10) e B-29 Super Fortress (kit de um bombardeiro, esc. 1/72 – primeiro modelo pós-guerra construído em madeira).

No exterior do CAM, no jardim, mostra-se um aquário na superfície do lago com um peixe encarnado, reforçando assim a união entre o artificial e o natural. A relação entre tecnologia e seres vivos está igualmente presente noutras obras, nomeadamente, em Osmosis, composta por três aquários ligados entre si: um aquário com água doce, outro com água salgada, e ambos com um peixe; o terceiro aquário faz a filtragem da água entre eles, através de um sistema de osmose.

Dentro das máquinas que povoam o universo criativo do artista, o avião é uma imagem daquele que é um dos mais profícuos artistas da sua geração. Uma série de modelos e réplicas de aviões serão mostrados no CAM: entre a réplica do avião F-16 à escala 1/5, passando pelo modelo de avião A380 na obra Navio Negreiro, até à maquete do avião AIRBUS A330 à escala de 1:200. Também o automóvel é fundamental no trabalho de Palma. Para além da constante presença de miniaturas de carros, Exposição Solar é uma obra que apresenta em tamanho real um automóvel de corrida Formula Ford 1800cc, apoiado numa base à altura dos visitantes. Os painéis solares que se encontram no chão permitem através da luz dos projectores accionar as rodas do carro.

A construção de máquinas, maquetas, a manipulação da tecnologia, as pequenas peças com figuras humanas, e um conjunto de materiais que envolve toda uma construção lúdica, que se situa entre a arte e a engenharia, o jogo e a ironia, o orgânico e o mecânico, cria um universo singular mas em que nos revemos.
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source: camgulbenkianpt

Em 1989, Miguel Palma apresentava a sua primeira exposição individual na Galeria Quadrum intitulada Ludo, propondo ao visitante um longo circuito de objectos lúdicos e didácticos feitos a partir de betão e ferro, cuja vivência remetia a um universo infanto-juvenil e a uma tradição de jogos nacionais. Esta exposição marca o início de carreira do artista que começa a ganhar forma na década de 90. Em 1991, Miguel Palma propõe à Fundação Calouste Gulbenkian o enterro da obra Cemiterra-Geraterra nos jardins da Fundação. Encerrando o globo terrestre num paralelepípedo, o artista enterra a colossal peça, subvertendo assim o conceito de monumento ao ocultá-lo da vista do espectador. O simbólico enterro é perpetuado com a inscrição de uma lápide registando a presença da obra subterraneamente. Em 2000, Miguel Palma desenterra-a, ficando por fim visível nos jardins da Fundação. Actualmente encontra-se em depósito no Parque Ventura Terra da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

Em 1993, juntamente com outros artistas da sua geração, Miguel Palma participa na exposição Imagens para os Anos 90, apresentada na Fundação de Serralves, comissariada por Fernando Pernes e com colaboração de António Cerveira Pinto. A exposição que contou com a participação de vinte e três artistas, entre eles Daniel Blaufuks, André Gomes, João Louro, João Paulo Feliciano, Sebastião Resende, Joana Rosa, Rui Serra e João Tabarra, propunha uma ruptura com os anos 80 e uma tentativa de impulsionar artistas emergentes que se afirmaram ao longo da década. Propondo uma visão crítica e até mesmo irónica, Miguel Palma realiza desenhos, esculturas, instalações ou trabalhos de carácter performativo como motores de busca das suas paixões e de problemáticas sociais com estas relacionadas. Reinventando imagens ou situações, Palma apresenta-se como fazedor de mundos e inventor de “ecossistemas”. Ecossistema (1995) e Carbono 14 (1998) são narrativas exploradas pelo artista, cujo denominador comum centra-se na criação de caixas de vidro onde são visíveis cortes geológicos, deixando transparecer cidades subterrâneas repletas de situações vistas com ironia e crítica social.

Pautado por um universo que remete a engenhos e máquinas, Miguel Palma trabalha, geralmente, dois mundos aparentemente distantes e que simbolizam as suas paixões quase até à obsessão. O automobilismo, a aviação, a ciência e a engenharia são áreas que fazem parte de um universo-jogo que o artista executa engenhosamente, trabalhando sobre a linha ténue que por vezes separa a produção artística destes outros domínios.

A obra de Miguel Palma reflecte ainda experiências de vida ou actividades de teor performativo. Esta duplicidade permanente na sua obra resulta em trabalhos como Engenho, de 1993 – um carro perfeitamente funcional executado pelo artista, e que o próprio conduziu entre Lisboa e Porto a fim de chegar à inauguração da exposição Imagens para os Anos 90, na Fundação de Serralves; Prova de Artista, de 2001, que documenta na Galeria Cristina Guerra a participação de Miguel Palma no Campeonato Nacional de Clássicos – alcançando o 3.º lugar dos Históricos 71 e o 1.º lugar da Classe G4; ou Projecto Gravidade, de 2008, em que o artista executa um carrinho de rolamentos desenhado por si e documenta em vídeo a sua descida no carro ao longo da Rampa do Caramulo. Estes trabalhos performativos são situações constantes de um jogo de prazer e risco que Miguel Palma assume como desafio a si próprio.

Apostando na internacionalização já no novo milénio, Miguel Palma auto-ironiza esta situação em 2005 com Projecto Aríete, cujo título nos reporta a um cenário belicista (aríete consiste numa antiga máquina de guerra usada para derrubar portas e muralhas de cidades cercadas). Entre Maio e Junho de 2005, Miguel Palma percorre, num Porsche 911 Carrera com um cokpit de avião de guerra ajustado ao tejadilho do carro, o continente europeu, ao longo de 16 000 km. Visita 43 museus e centros de arte contemporânea com o intuito de mostrar e divulgar a sua obra. Sem qualquer aviso prévio, o artista vestido com um fato laranja de um aviador polaco, entrava nas diversas instituições de arte europeias e levava na mão uma espécie de míssil transparente onde tinha um vídeo, um portfólio em cd, uma t-shirt, uma maquete de um livro e dois capacetes (um capacete MIG de origem russa e outro capacete de aviador norte-americano F15), remetendo assim ao título do projecto-performance mas também à atmosfera da Guerra Fria. Subvertendo a relação entre o artista e os museus ou centros de arte, e negando qualquer intermediário nesta relação, Miguel Palma assume um protagonismo na estratégia de comunicação deste projecto que é recorrente na sua obra. Desta odisseia, ficaram inúmeros documentos escritos, fotografias e vídeos apresentados numa exposição na Galeria Cristina Guerra, no início de 2006.

Rescue Games, criado e apresentado em 2008 na Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Nova Orleães – Prospect.1 – com curadoria de Dan Cameron, representa uma espécie de consagração do projecto de internacionalização de Miguel Palma. Apresentando um barco vermelho Higgins, utilizado na II Guerra Mundial, o artista leva ao limite a escala de grandeza que pauta o seu trabalho, numa alusiva referência de dimensão temporal, cuja memória e ligação entre passado e presente é assim recriada. Numa clara referência à situação dramática da cidade de Nova Orleães devastada pelo furacão Katrina em 2005, Miguel Palma utiliza um importante barco de resgate, embora com um novo componente, ao acrescentar no seu topo uma pequena piscina motorizada de ondas e uma escada que circunda ao longo da peça. Rescue Games é indiscutivelmente um marco incontornável no trabalho de Miguel Palma e uma das suas poucas obras nunca vistas em Portugal.

A produção artística de Miguel Palma gravita entre uma temporalidade das imagens, ou seja, analogias históricas, apropriação de imagens (mapas e objectos datáveis), uma estética funcional e a capacidade de reinventar realidades metafóricas, colocando por vezes o espectador numa posição incómoda, levando-o a interrogar-se sobre situações e problemáticas que lhe são próximas.